segunda-feira

O Segredo do Rio

Imaginário da 11ª Escapadinha dos Mourões

"O Segredo do Rio"
( História inventada com base na obra do escritor Miguel Sousa Tavares )

 

Era uma vez um espaço relvado, à beira de um rio chamado Rio Tejo. Todas as primaveras, por ali acampavam muitos escuteiros com lenços de três cores: amarelo, verde e uma cor comum, que era a cor branca.
Entre os muitos escuteiros havia um menino que regressava àquele lugar pela oitava vez. Ali estivera quatro vezes com um lenço amarelo ao pescoço e, contando com esta, também já eram quatro, as vezes em que trazia um lenço de cor verde.

Esta seria a última vez…
Só com estas duas cores no lenço se pode participar neste acampamento e, a partir de agora o menino passaria a usar um lenço de cor azul.

Estava triste mas, ainda assim, quando a noite chegou repetiu o que sempre repetia:

Estendeu a sua colchoneta à porta da tenda, enfiou-se dentro do saco-cama e aninhou-se junto à porta da tenda, sem que tivesse fechado o fecho. 

Quase todas as noites assim procedia, para ali ficar a observar, no silêncio da noite, o cintilar das estrelas, as sombras das nuvens viajantes e a escutar o rio, deslisando no seu leito, também ele meio ensonado.
- Olá amiguinho! Estás bem?
O rapaz sorriu e acenou para a sua amiga carpa, que espreitava por entre as ervas crescidas à beira do rio.
Aproximou-se devagarinho e ali ficou a conversar com a sua velha amiga. Só da primeira vez, que a ouviu falar, se tinha surpreendido. Agora já estava habituado e já nem se lembrava de quantas vezes tinham conversado, naquele mesmo lugar.
Até já tinham nadado juntos, naquele ano em que o verão parecia ter chegado mais cedo. Numa noite, o rapaz agarrou-se à sua cauda e mergulharam até ao fundo do rio…
Mas desta vez não dava para nadar. A água estava muito fria…
Estas conversas ao luar só terminavam quando os olhos do rapaz começavam catrapiscar. Então despediam-se e iam dormir…
Quando a manhã chegou o rapaz e os seus colegas realizaram uma grande caminhada repleta de desafios, aventuras e caçadas. Passaram por trilhos e caminhos, montes e vales e, também, por aldeias e casais.
O menino teve sede e entrou num pequeno café, onde ouviu uma estranha conversa:

-Vai ser desta vez! Tenho muita pena, mas tem que ser… vou ter que pescar a grande carpa no rio, pois já não tenho nada para comer…
-Não faças isso Matateu! A carpa é tão gira!
-Tem que ser. Já não tenho comida para os meus filhos e o patrão ainda não me pagou…

O rapaz quase desmaiou.
-O que se passa contigo? - perguntaram-lhe os outros, ao vê-lo muito pálido.
Rapidamente os “chefes” o fizeram chegar a campo, onde ficou aos cuidados das enfermeiras de serviço, que o observaram e atestaram uma ligeira e passageira má disposição.
Logo que conseguiu livrar-se delas abeirou-se do rio e atirou três pedras à água para acordar a sua amiga.
-O que queres a esta hora? – perguntou o peixe vindo à superfície.
-Tens de sair daqui! Ouvi um senhor, chamado Matateu dizer que te vinha pescar!
O peixe ficou aterrorizado e logo fugiu, mergulhando nas profundezas do rio, e ninguém mais o viu.
Ele bem sabia quem era o Matateu.  Era apenas e só o melhor pescador do rio. Ele já tinha perdido o conto aos muitos peixes, seus amigos, que tinham perdido a vida, suspensos nos seus terríveis anzóis ou sufocados nas suas redes.
Ainda assim, quando a noite chegou, o menino esperou pela sua amiga carpa, mas só, quando estava quase para desistir repleto de lágrimas de saudade, ouviu:
Olá!- era o seu amigo peixe, que trazia novidades - Já sei como resolver o problema do Matateu!

Então o peixe contou-lhe, que havia um tesouro no fundo do rio e que esse tesouro era a solução para o Matateu e sua família.

O rapaz e a carpa arrastaram para terra, uma rede carregadinha de latas de comida, que na fuga encontrara, por acaso, num velho varino afundado.
Assim, a carpa já não corria perigo, pois o Matateu tinha comida para si e para a sua família.

Depois disto, o rapaz até se esqueceu do seu problema, pois mesmo sem lenço de cor amarela ou de cor verde poderia continuar a visitar a sua amiga carpa, naquele magnífico rio, o rio Tejo, sempre que quisesse.
A sua felicidade era tão grande, que pediu ao escultor abrantino, Santos Lopes, que fizesse uma linda escultura, para colocar naquele mesmo local, para que para sempre lhe fizesse recordar esta história, que era só sua. O seu segredo e o segredo do rio.

Assim o fez e na obra de arte este poema de Alberto Caeiro escreveu:
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio

que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio

que corre pela minha aldeia.”